30/12/16

LEIS PARA BONS COSTUMES - PORTUGAL Séc. XVII

Destas leis de D. Pedro II, há o principal a reter:

- o Rei não depende das Côrtes;
- é da sua competência evitar os maus costumes no Reino e promover os bons;
- os melhores e maiores adornos são para as coisas de Deus;
- No séc. XVII, em Portugal houve preocupação com os gastos supérfluos com luxos, e houve leis para limitá-los e corrigir;
- Valorização do produto nacional;
- o Rei trata por "meu" os reinos, senhorios, e as pessoas com cargo no seu Estado.

D. Pedro II
Dom Pedro, por graça de Deus Príncipe de Portugal e dos Algarves, etc. como Regente e Governador dos ditos Reinos e Senhorios, faço saber aos que esta minha Lei virem, que, sendo-me representado e instantemente pedido pelos Estado do Reino, juntos nas Côrtes, que ultimamente mandei convocar, quisesse atalhar os graves danos, que se ocasionavam nestes Reinos e suas Conquistas, assim em comum, como em particular, com a relaxação de trajes, excesso no custo das galas, e  o luxo, com que se adornavam as casas, se fabricavam os coches, se vestiam os lacaios, e crescido número deles, a dispendiosa vaidade dos funerais, forma dos lutos e abuso dos vestidos, em que meus Vassalos com extraordinárias profusões, ostentações vanglórias, e imoderadas despesas empenhavam os Patrimónios, arruinavam os sucessores, e se vinham a empobrecer e envilecer muitas vezes por vários modos as famílias mais nobres e facultosas, com grande desserviço de Deus, dano da honestidade, dos costumes, do bem público do Reino e da conservação dele: E considerando eu a obrigação, que tenho de acudir com o remédio a estes males, não só com o exemplo de minhas Pessoa e Casa Real, mas também procurar por todos os meios possíveis extinguir os abusos, e evitar as ruinas, e moderar os superfluamente luzidos e vãos adornos das pessoas, casas e famílias, com a introdução da gravidade dos trajes e esplendor honestamente aparatoso, que conduzem à restrição dos gastos e à melhora dos costumes, ordenei com os dos meu Conselho fazer a Pragmática e Lei pela maneira seguinte:
 
1 - Primeiramente ordeno e mando que nenhuma pessoa de qualquer condição, grau, qualidade, título, dignidade, como mulheres, nestes Reinos e Senhorios de Portugal e suas Conquistas até ao Cabo da Boa Esperança, possa usar nos adornos de suas pessoas, filhos e criados, casa, serviço e uso, que de novo fizer, de seda, rendas, fitas, bordados, ou guarnições, que tenham ouro, ou prata fina, ou falsa; e só lhes permito poderem trazer nos vestidos botões e casas de fio de ouro, ou de prata; ou de prata, ou de ouro de martelo, como não sejam de filigrana, sem algum outro qualquer género de guarnição, ainda que seja de fitas; e só permito que as mulheres possam trazer guarnição de seis dedos de largura, não sendo dos géneros acima proibidos, e poderão ser de rendas feitas no Reino, e da mesma largura.
 
2 - Ordeno e mando que se não possa usar de nenhuma sorte de dourados, ou prateados nas coisas, que de novo se fizerem; porque somente os permito nas Igrejas, Ermidas, Oratórios e coisas tocantes ao Culto Divino, e de nenhuma maneira em coisa alguma profana; porém não se compreendem nesta proibição as sedas, fitas, bordados, guarnições de prata, ou  ouro fino, ou falso, prateados, ou dourados, que vierem da Índia, obrado tudo e feito naquele Estado, e sendo manufacturas da Ásia, porque de todas estas coisas se poderá usar livremente.
 
3 - Nenhuma pessoa de qualquer condição, estado e preeminência, por maior que seja, se poderá vestir de comprido, excepto os Clérigos de Ordens Sacras, ou Beneficiados, que notoriamente sejam conhecidos por tais; os Desembargadores e os Estudante matriculados na Universidade de Coimbra e Évora; com declaração, que nenhuma trará coisa alguma na roupeta, ou capa, que de todo proibido.
 
4 - Nenhuma pessoa se poderá vestir de pano, que não seja fabricado neste Reino; como também se não poderá usar de voltas de renda, cintos, talins, boldriés e chapéus, que não sejam feitos nele.
 
5 - Ordeno e mando que nas casas dos defuntos de qualquer condição, grau, qualidade, título, estado, dignidade e preeminência, por maior que seja; e nas Igrejas, onde se enterrarem, ou se lhes fizerem Ofícios, se não use de nenhum adorno funeral mais, que uma tarima de um degrau coberto de negro, sem passamane, galão, ou senda de ouro, ou prata fina, ou falsa, sobre a qual se ponha o corpo, ou caixão com quatro tocheiras nos cantos, e dois castiçais à Cruz, sem mais outro algum género de armação, ou ornato fúnebre.
 
6 - Nenhuma pessoa se poderá vestir de luto comprido, e só usará do curto: porém poder-se-á trazer capa comprida de pano, ou baeta com golinha, ou balona chã, e de nenhuma forma se poderá usar de capuz, ou capa de capelo; nem de coches, carroças, calejas, estufas, liteiras, ou seges interior ou exteriormente cobertas de algum género de luto.
 
7 - Os coches, carros, calejas, estufas, liteiras e seges, que de novo se fizerem, não poderão ser exteriormente cobertas de algum género de seda, nem com outra alguma guarnição, de qualquer género que seja, mais que de uma franja única.

8 - Nenhuma pessoa de qualquer título, ou preeminência, por maior que seja, dentro nesta Cidade, ou em outro qualquer lugar, onde assistir minha Pessoa e Casa Real, poderá trazer nos coches, carroças, calejas, ou estufas mais, que quatro mulas, ou cavalos; e só permito que saindo dela, se possam pôr seis no Convento de Santa Clara, no de Santa Marta e Igreja dos Anjos, e nestas mesmas partes se tirararão, quando entrarem nela.

9 - Nenhuma pessoa de qualquer título e preeminência, por maior que seja, poderá trazer, ou acompanhar-se, indo a cavalo, mais que de dois locais, ou mochilas livres, ou escravos; e do mesmo número, indo em sege, alem do mochila, que a governar; e indo em coche, liteira, carroça, estufa, ou caleja, se acompanhará do mesmo número de lacaios, ou mochilas, alem dos dois liteireiros, ou dos cocheiros; indo porém juntos, marido e mulher, poderão acompanhar-se de quatro lacaios, ou mochilas.

10 - As librés, que de novo se fizerem, dos cocheiros, liteireiros, lacaios e mochilas, não poderão ser de nenhum outro género, que não seja de pano feito no Reino, nem forradas de coisa alguma, que não seja de lã, sem alguma guarnição, de qualquer género que seja: as meias não serão de seda; os botões, e casas sim, mas não de ouro, ou prata fina, ou falsa; e havendo de pôr-se fitas nos vestidos, será somente nos calções passados com aquelas, que neles se costumam; os vestidos de luto serão curtos, sem capas, ou roupetas compridas.

11 - E porque de se dissimular neste Reino, por culpa dos Oficiais de Justiça o uso dos jogos de parar, ou em dados, ou em cartas, ou por outro qualquer modo contra as proibições de Direito, Ordenações e Pragmáticas, se têm seguido os grandes inconvenientes, que a experiência mostra, com grande dano de meus Vassalos,  inquietação e ruína de suas casas; ordeno e mando, em execução das ditas Leis, que nenhuma pessoa de qualquer título e preeminência, por maior que seja, use de jogos de parar, nem de casa para esse efeito, com as penas cominadas no fim desta Pragmática, e das mais, que pelas Leis estão estabelecidas.

12 - Para o consumo das coisas proibidas nesta Pragmática, hei por bem conceder neste Reino um ano de tempo, contando do dia da publicação dela na Chancelaria, com denegação de mais tempo; e nas Conquistas permito o tempo de três anos, contados do dia da mesma publicação, onde se remeterá logo sem dilação; e declaro que se há de começar a praticar no que toca aos dourados, prateados, número dos lacaios, mulas nos coches, carroças, estufas e calejas, nos vestidos curtos, lutos e funerais, passado um mês do dia da sua publicação; e que acabado este termo, o ano de consumo neste Reino, e os três nas Conquistas, se praticará inteiramente tudo o que nela se contém.

13 - E para melhor execução e observância desta Lei, ordeno e mando, que todas as pessoas, que usarem de alguma das coisas acima proibidas, sendo nobre, ou de maior qualidade, pagará pela primeira vez trinta mil réis; e pela segunda e mais vezes a mesma pena em dobro: e não sendo pessoa nobre, pagará pela primeira vez vinte mil réis; e pela segunda a pena em dobro, e será preso, e se aplicará a condenação, ametade para o acusador, e a outra metade para a despesa dos Presídios do Reino; e além das sobreditas penas, poderão os mesmos vestidos, e mais coisas, que forem feitas contra esta Lei, cujo valor se aplicará para o acusador e Cativos: e os Alfaiates, Bordadores, Douradores, Armadores e outros quaisquer Oficiais, a quem toca fazer e obrar as ditas coisas acima proibidas, constando as fazem, ou mandam fazer por outrem, passado o tempo acima apontado, incorrerão nas mesmas penas referidas.

14 - E porque na Casa Real, e nesta Côrte se observe inviolavelmente esta Lei, ordeno e mando ao meu Porteiro mor, ou a quem seu cargo servir, que por nenhum caso admitam a falar-me em audiência geral, ou particular, nem dentro no Paço, a pessoa alguma de qualquer qualidade, estado, ou condição que seja, que traga em sua pessoa, ou nas de seus filhos e familiares, coisa alguma das acima proibidas; e na mesma forma os Secretários de Estado, e Mercês não admitam requerimento, petição, ou papel de pessoa, que use de alguma das coisas proibidas, antes logo me darão conta, para se mandar proceder, como forma os Secretários de Estado, e Mercês não admitam requerimento, petição, ou papel de pessoa, que use de alguma das coisas proibidas, antes logo me darão conta, para se mandar proceder, como for razão. E mando ao Regedor da Casa da Suplicação, e ao Governador da Relação, e casa do Porto, e em especial aos Corregedores do Crime, assim de minha Côrte, como das ditas Casas, e aos Corregedores, Juízes do Crime desta Cidade, e a todos os mais Corregedores, Ouvidores, Juízes, Justiças, Meirinhos e Alcaides de meus Reinos e Senhorios, que tenham muito particular cuidado e vigilância na execução desta Lei; e nas residências, que se lhes tomarem aos que a dão, se perguntará, se a fizeram inteiramente cumprir; e achando-os culpados em alguma maneira, não serão admitidos a meu serviço, até ao Regimento, por onde se tomam as residências; e os Meirinhos e Alcaides, que forem descuidados e negligentes, assim nesta Corte, como fora dela, em contar e acusar as ditas coisas defesas, incorrerão pela primeira vez em suspensão de seus Ofícios por dois anos, e pela segunda vez em perdimento deles sem remissão; e sendo Serventuários, serão privados das serventias, sem poderem entrar mais nelas, além da pena de cem cruzados, para o que serão obrigados os Corregedores, Ouvidores, e Juízes de Fora, em cada um ano, nas devassas gerais, que tirarem, a perguntar particularmente em contar, e demandar as ditas coisas, ou se dissimulam, e passam pelas pessoas, que as trazem, ou mandam fazer, ou fazem, sem lhes contar, ou demandar.

E mando ao meu Chanceler mór, que faça logo publicar esta Lei na Chancelaria na forma, que nela se costumam publicar semelhantes Leis, para que do dia da publicação dela, assim na dita Chancelaria, como nas outras parte, em que se há de publicar nos termos assinalados, se dê a execução, enviando logo Cartas com o traslado dela, sob meu Selo e seu sinal, aos ditos Corregedores, Provedores e Ouvidores das Comarcas, para que a publiquem, e façam publicar nos Lugares, onde estiverem, e nos mais de suas Comarcas; e para que seja notório a todos o que nela se contém, se registará no livro da Mesa do despacho dos meus Desembargadores do Paço, e nos das Relações das ditas Casas da Suplicação, e do Porto, em que se registam semelhantes Leis; e nas Secretarias de Estado e Mercês. Manuel da Silva Colaço a fazer em Lisboa a 25 de Janeiro de 1677. Francisco Pereira de Castel-Branco a fez escrever. PRÍNCIPE

(Liv. 5 das Leis da Torre do Tompo, fol. 140 ver. Liv. 5 do Desembargo do Paço fol. 271)

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