07/02/17

BEATO REDENTO DA CRUZ (II)

(continuação da I parte)
 
II
 
Foi demorada a viagem. Os navios que iam à Índia ordinariamente partiam em Março e, se os ventos eram favoráveis, chegavam em Setembro ou Outubro. Como deviam transportar não só os soldados que se destinavam às expedições e os tripulantes - perto de mil homens às vezes - mas também os mantimentos necessários para os sustentar, e ainda o vinho, azeite e outras provisões de que a Índia carecia, eram de grandes dimensões. A bordo vivia-se como em terra: durante a semana, os artífices trabalhavam nos seus mestres, ao domingo cantava-se a Missa e o Ofício Divino, e em épocas de calmaria improvisavam-se folguedos que ajudassem a passar o tempo.

Basílica do Bom Jesus, Goa Velha (1594-1605)
 
Aos fim de seis ou sete meses de navegação chegaram à cidade que os seus habitantes apelidavam Goa de oiro, repetindo com ufania o provérbio: Quem viu Goa escusa de ver Lisboa. Repicaram festivos os sinos, e acudiu grande afluência de gente de todas as condições, como sempre acontecia quando aportava um destes navios, que traziam a muitos ocasião de lucro e a todos notícias da metrópole ansiosamente esperadas durante meses.

Se Tomás Rodrigues da Cunha tivesse chegada à Índia vinte anos mais cedo, teria encontrado ainda no seu apogeu o poderio português. Agora, começara a decadência. Já ia longe o dia em que Afonso de Albuquerque, ao desembarcar vitorioso em Goa, pusera o joelho em terra dando graças a Deus. Seguiu-se perto dum século de glória. O império de Portugal no Oriente fundou-se e desenvolveu-se rapidamente. Sucediam-se as conquistas. A fortaleza de Cochim, edificada por Francisco de Albuquerque, foi a primeira de 50 que dentro em pouco obrigavam os índios a respeitar o nome português. Vencidos, os príncipes africanos e asiáticos pagavam-nos tributo, e o comércio florescia porque o prestígio das nossas armas fizera desaparecer a má vontade com que ao princípio os indígenas se esquivavam a vender-se as suas mercadorias. Com as tropas iam para as conquistas religiosos que pregassem a verdadeira fé àqueles povos gentios: assim Portugal, consciente da sua vocação missionária, plantava a cruz de Cristo onde quer que entrava como senhor.

Goa, capital deste império, continha esplêndidos monumentos e era afamada pela sua magnificência. Ali residia o vice-rei com a sua côrte, e ali se juntavam as mercadorias que haviam de ser levadas para a Europa.

Afonso de Albuquerque
No começo do século XVII já ia declinando a fortuna dos portugueses na Índia. As causas foram múltiplas e complexas. Os vice-reis e governadores nem de longe seguiram a boa administração e a política sensata e justa de Afonso de Albuquerque. A opulência gerar o luxo e a moleza, princípios de corrupção. A ambição tornou-se desenfreada, relaxou-se a disciplina, e surgiram as intrigas e as desavenças. Os indígenas, tratados com despotismo, revoltavam-se, o que nos obrigava a guerras incessantes (deve salientar-se porém que Portugal trabalhou sempre pela Civilização cristã da Índia como ninguém mais soube fazê-lo). E, por cúmulo de infelicidade, foi então que os holandeses começaram a infestar os mares da Índia, tentando apoderar-se do comércio, e encontrando bom acolhimento entre os naturais, a quem habilmente persuadiam que os iam libertar do jugo de Portugal.

Animados pelo êxito das suas negociações, chegaram a bloquear Goa em 1603 e a atacar Malaca em 1606; e, embora fossem repelidos em ambas as tentativas, não perderam a esperança de se apoderarem ao menos de Malaca que sobre-modo ambicionavam pela sua excepcional posição. Ficava perto das colónias holandesas, e dali poderiam vigiar os mares, interceptando com maior facilidade as comunicações dos portugueses com a metrópole, e que lhes era muito vantajoso por se apoderarem do dinheiro e provisões que vinham de Lisboa ou das riquezas da Índia que para lá se transportavam. Nós estaleiros da Holanda constituíram-se à pressa navios sôbre navios. Por essa época fundava-se também a Companhia das Índias cujo poder se ia tornar considerável e que pouco depois enviava ao Oriente os mais cometentes dos seus directores, encarregados de estudarem a situação e de descobrirem a maneira de assegurar à Holanda o predomínio no comércio indiano.

(continuação, III parte)

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