À imagem do que fizemos com as palavras "violência", "bons costumes" etc. será agora com a palavra "absolutismo". Contudo há um fenómeno intransponível que nos detém: os livros e documentos antigos registam em Portugal pelo menos DOIS USOS diferentes da mesma palavra, anteriormente à vitória liberal (ano 1834). Iremos também fazer o que hoje se faz: discriminar um usos, mas dando destaque apenas ao uso não liberal; o uso não liberal, anti-liberal é a linha mais desconhecida actualmente (eis o motivo de preocupação desta série de artigos). Ao longo das transcrições, quando for caso disso, juntaremos pequenos comentários para melhor precisar. Recorreremos também à comparação com textos liberais da época, para que o leitor possa melhor assentar na realidade e proteger-se da conhecida propaganda dos vencedores (ou nos que escreveram longe da época e são talvez inocentes vítimas).
1 - Cartas de José Agostinho de Macedo [um dos "terríveis absolutistas"] ao seu amigo J.J.P.L. (1827):
"... ; a Junta Apostólica quer, e promove aquelas sagradas e veneráveis leis, que fizeram grande a Espanha por catorze séculos desde Ataúlfo seu primeiro Rei até Fernando VII seu actual Soberano; a Junta Apostólica quer com afinco sustentar a Religião, e absolutismo... eis aqui as funções da Junta Apostólica, segundo diz o Lençol, e seu apaniguados, e trombetas. Pois a Junta Apostólica, segundo o mesmo Lençol no Manifesto da Catalunha, e em seus detestáveis, e abominandos, e nefandos Comentários, quer uma total sublevação dos Povos contra os Reis; a Junta Apostólica chama a Nação à rebelião e às armas; a Junta Apostólica quer fazer a guerra àquele mesmo Exército Francês, que ela conserva, e que ela paga; quer destronar, banir, desterrar aquele mesmo Fernando, que ela tem defendido a expensas de seu próprio sangue; a Junta Apostólica quer fazer passar o seu ceptro às mãos de seu Irmão; a Junta Apostólica quer arremessar o jugo da obediência. A Junta Apostólica é a fautora de todos os partidos revolucionários, a promotora principal da anarquia; a Junta Apostólica é uma alcateia de lobos, um covil de ladrões, que querem beber o sangue, e despojar todos os bons Espanhóis da suas sagradas propriedades; a Junta Apostólica abusa do nome de J. Cristo e dos sagrados Apóstolos S. Pedro e S. Paulo para destruir a Religião, cometer Regicídios e parricídios, lançar os Espanhóis no abismo da escravidão, da penúria, da miséria, da ignorância, e do desprezo.
Eis aqui, meu amigo, o que é a Junta Apostólica na boca e na pena dos que cozem as costuras do tal lençolinho." (Cart. 3, pág. 5) [Não é lugar para tratar da Junta Apostólica, mas a respeito dela é oportuno transcrever uma notícia da época: "Ciceron, e Narcia, dizendo-se pertencer à Junta Apostólica, formada no reino de Galiza para obrar contra o sistema constitucional em voga na Espanha, retiraram-se a Portugal, entrando por Valença em 19 de Julho de 1820, onde obtiveram passaporte com o qual chegaram ao Portugal a 4 de Agosto seguinte. O Governo extinto aquém o encarregado dos negócios daquele Reino em Lisboa tinha requerido, mandou-os prender por aviso de 7 do mesmo mês; porém da relação do Porto, a pedido do cônsul espanhol daquela cidade. O presidente do tribunal superior de Galiza tem declarado a entrega dos presos na forma da convenção que observou sempre entre os dois reinos, e é de saber que eles se acham ali condenados à morte, segundo diz em sua informação o Intendente geral da polícia. Todavia a Comissão que não acha documento algum autêntico deste facto não julga possível que o julgado (a existir) se execute sem audiência dos réus, porque eles como ausentes não foram ainda admitidos a defesa." Linda coisas do Triénio Liberal na Espanha, que pretendeu dar fim aos resistentes do "absolutismo", inimigos do Liberalismo e constitucionalismo - onde estavam então os tradicionais e ortodoxos católicos da época se não estavam do lado liberal!? Atenda-se também como em 1827 estes anti-liberais da Junta Apostólica consideravam Fernando VII de Espanha, reinante, em monarquia tradicional, a quem os liberais tinham por "absolutista" (assumam-se primeiro os factos e eis tantos factos, que contradizem a versão hoje difundida por grande parte dos "tradicionais católicos" da Espanha, não apenas; talvez se trata de fenómeno à margem da culpabilidade; já na época os autores portugueses "absolutistas", testemunhos e não teóricos, anteriores à derradeira vitória do Liberalismo em Portugal (1834) deveriam ser ouvidos religiosamente hoje, pelo menos pelos portugueses. É importante ler estes documentos na época, não posteriormente segundo a letra dos vencedores ou seus filhos.
Usa de ironia o Pe. Macedo expondo o que diziam os liberais a respeito da Junta Apostólica.]
Eis aqui, meu amigo, o que é a Junta Apostólica na boca e na pena dos que cozem as costuras do tal lençolinho." (Cart. 3, pág. 5) [Não é lugar para tratar da Junta Apostólica, mas a respeito dela é oportuno transcrever uma notícia da época: "Ciceron, e Narcia, dizendo-se pertencer à Junta Apostólica, formada no reino de Galiza para obrar contra o sistema constitucional em voga na Espanha, retiraram-se a Portugal, entrando por Valença em 19 de Julho de 1820, onde obtiveram passaporte com o qual chegaram ao Portugal a 4 de Agosto seguinte. O Governo extinto aquém o encarregado dos negócios daquele Reino em Lisboa tinha requerido, mandou-os prender por aviso de 7 do mesmo mês; porém da relação do Porto, a pedido do cônsul espanhol daquela cidade. O presidente do tribunal superior de Galiza tem declarado a entrega dos presos na forma da convenção que observou sempre entre os dois reinos, e é de saber que eles se acham ali condenados à morte, segundo diz em sua informação o Intendente geral da polícia. Todavia a Comissão que não acha documento algum autêntico deste facto não julga possível que o julgado (a existir) se execute sem audiência dos réus, porque eles como ausentes não foram ainda admitidos a defesa." Linda coisas do Triénio Liberal na Espanha, que pretendeu dar fim aos resistentes do "absolutismo", inimigos do Liberalismo e constitucionalismo - onde estavam então os tradicionais e ortodoxos católicos da época se não estavam do lado liberal!? Atenda-se também como em 1827 estes anti-liberais da Junta Apostólica consideravam Fernando VII de Espanha, reinante, em monarquia tradicional, a quem os liberais tinham por "absolutista" (assumam-se primeiro os factos e eis tantos factos, que contradizem a versão hoje difundida por grande parte dos "tradicionais católicos" da Espanha, não apenas; talvez se trata de fenómeno à margem da culpabilidade; já na época os autores portugueses "absolutistas", testemunhos e não teóricos, anteriores à derradeira vitória do Liberalismo em Portugal (1834) deveriam ser ouvidos religiosamente hoje, pelo menos pelos portugueses. É importante ler estes documentos na época, não posteriormente segundo a letra dos vencedores ou seus filhos.
Usa de ironia o Pe. Macedo expondo o que diziam os liberais a respeito da Junta Apostólica.]
"Em sentido nos Reis, nos Gabinetes, nos Ministérios alguma oposição, isto é, quando não podem cavalgar, e sopear ["adular"] os Reis, os Gabinetes, e os Ministérios, gritam que o ouro dos Apostólicos, e Jesuítas os têm comprado para estabelecer o Império do Arbítrio, e apagar as Luzes do Século, frustrando os progressos da civilização. Eu espero ouvi-los gritar às Potências do Norte, que se acautelem, que o General Chaves, e o Vice-Geral Canelas já passaram os Pirenéus, para irem levantar o Estandarte Jesuítico do Absolutismo, e do Arbítrio nas muralhas de Cronstadt, e de Arcangel." (Cart. 7, pág. 5) [E que tal? Um "absolutista" da época que nos conta como os liberais associavam "absolutismo" e "jesuitismo", entre outros e até o "livre arbítrio". Os "absolutistas" aqui apresentados pelos liberais como inimigos das "Luzes" do Iluminismo - é certo. Como veremos, quase todos os nomes aplicados pelos liberais aos "absolutistas" são não neologismos propositados, comportam irrealismo: tão irreais que deveríamos achar-nos perante uma sui generis criação de "lenda negra". Alexis de Tocqueville (1805-1859, França), conhecido pelas sua análises à Revolução Francesa e da evolução das democracias assume que "a Revolução Francesa baptizou aquilo que aboliu" referindo-se à designação e caracterização de "Antigo Regime"... Na verdade, embora com recurso a alguns aspectos reais, nasceram nomenclaturas difamantes, complementadas com o horrível que a imaginação enfermada tende a produzir e introduziram uma má ideologia apresentada como antídoto contra o monstro imaginário que criaram; sendo que, ao fim da linha eram a monarquia tradicional e o pensamento e doutrina católica os alvos.]
"Andam estes regeneradores do Mundo, estes Propagandistas da civilização do Globo, estes zelosos salvadores dos Direitos do Cidadão, prégando em missão aos Povos: "Filhos, nós vimos emancipar-vos, vimos tirar-vos das cadeias do servilismo, despotismo, e absolutismo; vimos apagar as fogueiras da Inquisição; vós não sentireis mais o pesado jugo do Fanatismo."" (Cart. 7, pág. 6) [Como vemos, as sementes dos males do nosso tempo já ali estavam e eram identificadas como malignas pelos "absolutistas" de melhor ortodoxia. A "opressão", a "Inquisição", tudo isto era já tema de "ódio" para os liberais, mas anteriormente pelos Luteranos... O liberalismo, além dos falsos princípios onde assenta, tem também terreno adequado no Protestantismo; lamentável é que Juan Manuel de Prada, teimosamente, radicado no infeliz conceito liberal de "absolutismo" que o tradicionalismo espanhol nunca chegou a expurgar de si por motivo de ódios não ultrapassados em tempos de Filipe V, se recuse a aceitar a existência de vários usos do mesmo conceito na época; e imponha assim o espanhol como único que para todos terá de servir... Lamento, e esperemos que mude de opinião, assumindo que factos são factos e que em Portugal houve outro uso... e que provavelmente na Espanha houve o mesmo quem em Portugal!]
"Lá vai um Apostólico.... diz uma voz, que sai de uma bodega, ou do pescado seco, ou do pescado molhado; chegam todos à porta para verem a nova Phenix, que todos dizem, que existe, e que ninguém viu ainda; já vai... quem é? É aquele Clérigo!! Olha que dinheirama da Junta Apostólica! Lá vai, vamos atrás dele.... lá vai andando com umas botas velhas, com uma sobrancasaca que por cinquenta e sete terças feiras esteve pendurada na Feira da Ladra, com um chapéu, que tem andado por vinte cabeças, direito à Sacristia de S. António da Sé buscar seis vinténs, que estavam esperando por ele em cima do bofete. Pois este miserável, que vai comer atrás da porta de uma escada meio pão com um queijo de Montemor, ou meio arretel de ginjas [230g.], é um Apostólicos nadando em dinheiro, que vai levar o Prel para o inflame Guerrilheiro Vasconcelos; e bem se vê que é um inimigo da Legitimidade, e da Carta, e que quer o Absolutismo, e as fogueiras da Inquisição para viver de abusos, com os válidos, e lisonjeiros, e os outros zangãos do Estado. E quem diz isto é comprado pelo ouro da Junta Apostólica para iludir os incautos com estes papelórios, e chapelórios." (Cart. 7, pág. 9)
"Digam-me, ignorantíssimos, os Apostólicos não são Europeus? Não dizem VV. mm. que os Europeus querem alguma coisas? Os Apostólicos da Espanha, com uma opulência, e profusão espantosa de Tesouros, pugnam pelo Rei, e não querem Rei? Não querem Rei, nem absoluto, nem Constitucional, não querem Rei de sorte nenhuma (só se estes Apostólicos são os do Português), e matam-se e empobrecem pelo Rei, e não o querem? Se querem o Absolutismo, então querem um Rei; e onde irão construir este Absolutismo? Quem o há de exercitar? Ignorantes!! Ou fanáticos da Democracia!" (Cart. 9, pág. 5) [Lembrar que a mente liberal, não acostumada em sujeitar-se à Verdade quando usa da razão sai-lhe racionalismo... nada mais!]
"Em três continuadas, e consecutivas noites, de 24, 25, e 26 do próximo passado Julho, esteve Lisboa em mortal, e lastimosa agitação; e, se as vigorosas providências do Governo não acudissem a reprimir a sedição popular (atiçada pelos agentes da revolução Democrática) com a força armada, e a inevitável a iminente ruína: isto é uma verdade demonstrada; dentre os grupos dos pacíficos Cidadãos, como V. m., e os da Liga lhes chamam, rompiam aterradores, e funestos gritos: "morra este, e morra aquele, porque esta era a humildade, e respeitosa Petição, com que se requeria à Sereníssima Senhora Infanta Regente e re-integração do Ex. Ministro João Carlos de Saldanha, sem a qual o Reino não podia ser Reino, nem ter Governo, nem ter Representação, nem a Nação Portuguesa ser Nação, nem permanecer na linha das Nações, quebrando o jugo do absolutismo, debaixo de cujo jugo tinha por tantos séculos gemido. A estes pavorosos gritos dos Cidadãos pacíficos, e tranquilos se misturavam os insultos, e assaltando-se o domicílio dos Magistrados; e isto com o direito de Petição garantindo na Carta!" (Cart. 12, pág. 2) [A falácia que hoje conhecemos do "lá fora já se faz... lá fora já se aceita..." vem realmente de uma linha de "pensadores" não muito recente. Ainda há dias, uma beligerante guerreira do semi-tradicionalismo distribuiu um "papelinho" com o qual tentava espalhar a ideia de que o Povo era anticlerical em dada altura...; não obstante tamanha caridade distributiva, haveria a mesma incendiária dar outro "papelinho" com este texto do Pe. Macedo, onde vemos que aqueles que do Povo se revoltavam eram presas fáceis dos Revolucionários...; viu-se bem que esta gente gritava segundo pontos estratégicos da ideologia e por aqueles "santos" que desconhecia, estratégicos para a revolução! ... Aos portões de Versalhes também forma protestar ternas mulheres e meigas crianças, as primeiras da frente até bigode farto tinham (homens)...; eis aqui boas mascotes para o travestismo... Claro... no 25 de Abril.... "foi o Povo"! foi foi ... alguns souberam pela rádio, ou meses depois!]
"Antes de rebentar o Vulcão Democrático de 1820, que se ouviu por muito tempo? Espalhadas murmurações por entre os Povos, queixas do Despotismo, do absolutismo, da arbitrariedade, de abusos, de dilapidações; clamores surdos de que era preciso um Governo enérgico para remediar tantos males; que não podíamos sair da escravidão, sem convocação de Côrtes Gerais, Extraordinárias, e Constituintes para reformar a Constituição da Monarquia. Que as riquezas do Estado eram comidas pelos Mandões, e pelos Zangões. Que os Áulicos, e os Lisongeiros se assenhoreavam de todos os Empregos, e iludiam o Monarca. Que a ilustração do século, o derramamento das Luzes, e os progressos da civilização, faziam conhecer aos Povos que era chegado o momento de reassumirem os inauferíveis direitos da sua liberdade, e viveram só debaixo do império da Lei; e outros que tais palavrões, com que deram agora em explicar tudo, ou em pretextar a revolta; palavrões, que servem para tudo, e com que trazem enredados, e confundidos os Povos, dispondo-os assim para fantásticos melhoramentos, imaginadas reformas, e quiméricas inovações, fontes de todos os bens, e de todas as venturas;"(Cart. 12, pág. 6) [É normal que hoje os da "Monarquia" Liberal e os da República disputem o título de colocadores da democracia em Portugal, ovo posto pelo mesmo espírito que os levou aos dois. Que fique o registo de que a febre democrática é que os chocou a ambos e a "igualdade" mostrou-nos a pena do comunismo... Mais uma vez, Agostinho de Macedo faz-nos uma pequena caricatura do pensamento dos opositores do "absolutismo".]
"A Gazeta Constitucional, sem eu haver bolido com ela, (porque eu nunca fui agressor) começou gritando contra mim muito constitucionalmente; continua a gritar, e a descompor com uma raiva verdadeiramente canina; e o tema para as infames descompostudas, ou ataques pessoais, é a Junta Apostólica, que existe, depois que os Senhores Pedreiros Livres começaram a sentir que o género humano já cansado, e enjoado, começou a mostrar que já não podia aturar tantos desaforos, chamados derramamento de luzes, progressos da civilização, liberdade, emancipação, e melhoramentos das humanas Sociedades, oprimidas com o Absolutismo, Despotismo, Fanatismo, Servilismo, Jesuitismo, Apostolicismo, Fogueirismo, Inquistorismo, e todos os ismos mais; mas não tanto como com o Pedreirismo." (Cart. 14, pág. 1) ["Pedreirismo", portanto é a Maçonaria, os "Pedreiros Livres"]
"É verdade, que eu já estava com pena de ir deixando tão pouco espaço nesta Carta para zurzir como merece este o maior, e o mais dementado de todos os Hipócritas que aparece tão contraditório em seus escritos para melhor ser conhecido. V. m. terá reparado que desde que os Foliculários Priodiqueiros começaram a assoprar a revolta, a baralhar as ideias, a enredar os Povos, e a dispor, ou desenrodilhar as armas para a mais patifa de todas as revoluções, que vem a ser levantar a Democracia sobre as ruínas da Monarquia, tem andado sempre em cena, o velho Marquês de Pombal, Sebastião José de Carbalho. Se querem exagerar o Despotismo, o Absolutismo, e o Fogueirismo, vem o Marquês de Pombal; se lhes convém invectivar os Ingleses, com quem se enganaram, apesar dos vivas, e foguetes do dia primeiro deste ano, vem o Marquês de Pombal, e a rebatida, e já nauseante história da Bahia de Lagos." (Cart. 17, pág. 4) [Há tempos, ouvi uma novidade: começa-se a dizer em Portugal que a nossa tradicional Monarquia é democrática, quando os documentos da época nos mostram como a democracia era tida como um desprezível recurso, deixado apenas a menor importância quando não podia ser melhor. É tão fácil provar o contrário e mostrar que tipo de gente é que anteriormente tentou esse tipo de ideia ... !!! A tentativa de abandeirar o Marquês de Pombal, contra quem não queria o novo modelo de "monarquia" (Liberal) era uma tentação dos liberais, que no fundo acabavam por dar algum caso em que o Rei tivesse mandado muito pouco, ou quase nada! (D. José)]
"A ideia do Absolutismo é nova entre os Portugueses. Esta infernal palavra, nunca por tantos séculos entre nós ouvida, é o grande, e o mimoso pretexto de todas as Revoluções, havidas, por haver, e sempre intentadas, e prosseguidas nas sociedades secretas, que juraram guerra exterminadora aos Altares, e aos Tronos. O Despotismo Asiático, o Absolutismo Sultânico, nunca foi a partilha dos Chefes da grande família, ou sociedade Europeia, mas com o fim único dos trabalhos das sociedades secretas é a dominação geral dos Povos, como só a isto aspiram, como temos visto, ocupando eles só os primeiros lugares; o meio mais próprio, e mais apto para o conseguirem, é persuadir os Povos, que até agora têm sido dirigidos, e governados com um poder arbitrário, e absoluto; e que os Reis, a quem chamam Tiranos, os têm reduzido a abjecta, e desgraçada condição de escravos; e que a coisa, que mais devem aborrecer, é o Absolutismo, que vem a ser o exercício da própria vontade, e do princípio arbítrio, sem respeito, e sem consideração alguma às Leis, aos foros, e aos pactos sociais feitos na origem das Monarquias, entre os Governantes, e os governados. E para que inspiram os Povos este horror a este fantástico e suposto absolutismo nos Soberanos da Europa? Para os disporem às Revoluções a títulos de melhoramentos úteis, e de reformas necessárias." (Cart. 26, pág. 10) [A semelhança com o que hoje dizem é pura coincidência ...!]
"Por muito superficial que seja qualquer homem observador, por menos atenção que haja dado aos horríveis acontecimentos, de que temos sido testemunhas desde 1820 até o dia de hoje 20 de Outubro de 1827, terá visto que ainda até este momento a praga Periodical não se tem calado com o Absolutismo, e com a reforma dos abusos provenientes, dizem eles, do Absolutismo. E que querem com isto estes Pregoeiros das Sociedades Secretas? Querem que ao Governo Monárquico suceda a Democracia, ou o Governo Republicano; para isto pressupõe sempre demonstrada a máxima absurda, e monstruosa, que o Poder governativo existe essencialmente na família, e não no par da mesma família. Para isto parece-me que era preciso demonstrar primeiro que o Absolutismo, nome, com o qual tanto querem assustar os Povos, pode existir em um, que governe, e nunca em muito, mais absolutos que os próprios Sultões, que usurpem o Governo, a si mesmos se chamem a Côrtes, façam para si Constituições, e ditem Leis, de que eles zombem, exercitando tiranicamente o Poder, que sacrílega, e revolucionariamente roubaram. Não tem havido Periodiqueiro por mais miserável que seja, desde que o Inferno vomitou sobre Portugal este flagelo, que não haja gritado contra o Absolutismo, e na sua abolição para o sagrado fim das necessárias reformas dos abusos do mesmo Absolutismo. Em França fizeram os revolucionários a coisa mais sumária, levaram Luís XVI ao cadafalso; em Portugal, falemos a verdade, porque está escrito, e está impresso; e se lhes custa a repetição, não o dissessem, não o imprimissem, clamaram "Desfaçamo-nos deles". As Secretas Sociedades querem fazer detestar o Monarquismo, e para isto procuram fazer aborrecer, e abominar o que eles chamam "Absolutismo" que nunca existiu, nem pelas Instituições do mesmo Reino desde a sua origem até este momento, em que as mesmas Instituições estão instauradas, e reformadas, pode existir. Se este pregão contínuo do Absolutismo não andasse sempre na boca pestilente dos Periodiquieiros, as revoluções, e as conspirações nenhum efeito teriam, porque os conspiradores sempre contam com as disposições dos Povos, e estas disposições são obras dos Periódicos, que tão claramente dizem que o Absolutismo anda essencialmente unido ao Monarquismo; dizem que é preciso o Governo representativo, mas a seu modo, e não como agora o temos, e sempre tivemos, ainda que com diversas fórmulas; mas o representativo dos revolucionários é o primeiro degrau do Republicanismo, ou Democracismo, como vimos em 1820. Tirar um Rei de repente, era arruinar a sua mesma obra ["sua" deles, do inimigo]; não têm os Periódicos tanto poder, que de repente arrancassem do coração de todos os Portugueses a adesão, e o amor, que sempre tiveram, e ainda conservam aos seus Monarcas; fizeram do Rei um Ente, que não tinha acção própria, os seus movimento tinham impulsão estranha; não se iluda Portugal, o Poder Executivo, que aqueles monstros deixaram ao Rei, não é Poder, porque executar o que se lhe manda não é livre exercício da vontade própria, é cumprimento do que determina a vontade alheia; neste caso ter Monarquia, e não ter Monarca vem a ser o mesmo. Monarca é o que manda só; e eles mandavam ao Monarca "Mande-se ao Executivo", como diziam eles." (Cart. 29, pág. 3) [Destaca-se a influência da propaganda para fazer acreditar que a monarquia tradicional era "absolutista", ao mesmo tempo que se fazia propaganda a uma nova ideologia social (liberal e democrática, republicana ou um intermédio para chegar à República); evidentemente que hoje se faz o oposto: dizer que a monarquia tradicional é o que nunca foi e que a absolutista não é a tradicional...]
"Desesperados por verem arrancar do Santuário o sinal de abominação; que a impiedade revolucionária ali tinha levantado, vingam-se com o desprezo, e perseguição daqueles, que mostraram, seguindo o Rei, a sua adesão ao Trono, e o seu respeito ao Altar. Chegou a tanto este insulto público pelo espaço dos já passados quinze meses, que muito honrados Portugueses, para evitarem novos insultos, e talvez que um princípio de motim com tanta ânsia provocado, esconderam a mesma Medalha, ao menos quanto pelas obrigações da existência, e subsistência se viam obrigados a entrar no centro da Cidade chamada baixa, e atravessarem os fatais arruamentos, ou as Academias destes ilustrados Publicistas. Mosteiros há, onde por amor de dois, ou três Orates, um Tecleiro, e outros Picadores, se não pode ainda entrar com a Medalha, sem correr o mesmo risco. Esta Medalha, dizem eles, é um sinal, ou pregão permanente de que levou o Diabo o nosso adorado, e adorável Sistema regenerador, de tornarmos outra vez da liberdade para a escravidão, e da sublimidade do Democratismo para a voragem do Absolutismo. A isto chamo eu o mais execrado, e punível de todos os insultos; a memória do Rei lhe vilipendia, a fidelidade dos Portugueses reputada um crime. Se todas as Medalhas de Condecoração são dadas pelo Rei, porque só o Rei as pode conceder como prémios de serviços, como são as mesmas de Campanha em seus diferentes graus, porque não insultam eles todas estas, e unicamente aquela? Porque estes feros Republicanos não querem, e protestam não querer nunca um Rei livre, mas um Rei escravo; não querem um Rei com os direitos da Soberania, mas um Fantasma despojado deles. Não querem um Rei que os governe a eles, querem uma Autómato, que eles governem, e tiranizem. Em quanto eu tiver esta espada na mão, dizia um Padre Cívico, não há de aqui entrar um Rei com "Veto". Tão insensato me pareceu sempre o tal Padre, que nem o que quer dizer Veto ele entendia. Só uma coisa me admira, que, levando Malco uma orelha cortada, este Malco as quisesse cortar aos outros." (Cart. 30, pág. 6) [... graduações em número de 33!?...]
"São inumeráveis as Histórias, que existem já impressas, e publicadas, da Revolução Francesa, e sendo um só objecto, e única a matéria, por todos é tão váriamente tratada. Nós os Portugueses, sobre tudo indolentes, muito mais o temos sido sobre a nossa [entenda-se "nossa" para identificá-la como tendo ocorrido em Portugal, e não como coisa própria portuguesa] Revolução Democrática de 1820: ainda não apareceu nem um esboço ligeiro deste acontecimento tão único, como escandaloso em nossos Anais. Será isto delicadeza em nossos Escritores, que não quererão ofender as virtudes, e sobre tudo a exemplar, e conhecida modéstia dos Autores da mesma Revolução ainda vivos, e permanecentes entre nós? Parece-me, que é muito fora de tempo, e de lugar esta melindrosa delicadeza, em nossos Escritores, porque os mesmos Corifeus da Revolução nunca quiseram deixar seu escrito em mãos alheias, começaram eles mesmos desde logo a se chamar Pais da Pátria, Salvadores da Nação, que por um heróico, e violento impulso de Patriotismo quiseram arrancar do abismo da desgraça os infelizes Portugueses, dizendo-lhes, que não podiam subsistir por mais seis dias com aquele Pacto primordial e com aquelas leis com que tão gloriosamente tinham permanecido por seis contínuos séculos, prometendo, que vinham, com suas sábias instituições, por o Povo Português na linha das grandes Nações, donde nenhuma grande Nação, nem todas as Nações grandes juntas o haviam tirado. Disseram com fraqueza mais que Republicana, que se muito tinham feito a Portugal D. João I em o livrar da violenta posse, que dele queria tomar o Rei Castelhano, desbaratando-o em uma memorável batalha campal; e se muito tinha feito a Portugal ElRei D. João IV livrado o Reino de uma dominação estranha, que havia durado sessenta anos, aceitando a Coroa do mesmo Reino; muito, e muito mais faziam eles em livrar o mesmo Reino do mais pesado, e ferro jugo do Absolutismo, em que os seus Monarcas com seus Cortesãos, e lisonjeiros o conservavam. Disseram ainda mais de si, e não deixaram mentir ninguém; disseram que com sua sabedoria vinham dar uma nova face à Nação, abrindo, e desentupindo todos os canais donde lhe podia correr, e comunicar-se-lhe todo o seu bem, e ventura, começando pela Instrução Pública, coisa até desconhecida neste Reino, porque eles para serem, como eram, tão exímios Doutores tinham com dispendiosas viagens, e reiteradas fadigas, ido estudar, e aprender fora deste Reino, que sempre tinha sido a Séde principal da ignorância, e da barbaridade, assim como da superstição, e do fanatismo, insuperáveis obstáculos para o derreamento das Luzes, e progressos da civilização! Que eles vinham promover a cultura da terra, a navegação dos mares, a actividade do Comércio, o aperfeiçoamento das Artes, e das Ciências, e sobre tudo fazer adiantar a Indústria na criação das Fábricas com que nos tirassem da vergonhosa dependência das produções, e manufacturas estrangeiras. Prometeram ainda mais, e eles mesmos o disseram, que vinham simplificar o Culto Religioso, livrando-o de todo o peso, e aparato da magnificência, e majestade externa, reduzindo-o a puro acto intelectual. E sobre tudo nos afirmaram que o motivo mais poderoso, que os obrigara a vir daqui tantas léguas, uns a cavalo, outros em calças, e alguns em liteiras, fazendo marchas forçadas, sem pararem, e se demorarem senão nos Colégios, e conventos de Coimbra, e em Alcobaça, foi unicamente acudir ao lastimoso estado de Finanças, ao qual as tinha reduzido a malversação dos Empregados pouco experientes, e a indiferença da Regência, que pintavam indolente sobre este sagrado objecto; coisa que com efeito à risca cumpriram, distribuindo de tal arte o dinheiro todo, que nunca mais se soube onde ele parava, a não ser nas mãos dos novos, e ilustrados Financeiros, que desceram do Céu para limpar a Terra. Sem ninguém lhes perguntar, eles mesmos disseram que vinham nivelar as condições humanas, reduzindo tudo à perfeitíssima igualdade natural, pois eles nem tinham, nem conheciam outra diferença, que não fosse aquela, que davam os talentos, e as virtudes, e que só às virtudes, aos talentos, e ao pessoal merecimento, e nobreza, eles mesmos vinham dar os lugares honoríficos, e lucrativos, e não aos Aulicios, e aos lisonjeiros, desterrando para sempre o patronato; e na verdade eles tinham afilhados de sobejo!" (Cart. 32, pág. 3) [fala um testemunho da época não um teórico, muito conhecedor da sociedade de então e que tivesse escrito antes de 1827... Aqui está resumido o programa ideológico que até aos nossos dias tem vindo a ser implementado pelos vencedores do Liberalismo em diante, em tão poucas linhas, apenas como testemunha do que se ouviu da boca do próprio inimigo e com um acerto tão grande que parece estarmos perante uma profecia. Eis uma maravilha documental de valor incalculável, mas que só poucos reconheceram antes de terem visto concretizar!]
"A ideia do Absolutismo é nova entre os Portugueses. Esta infernal palavra, nunca por tantos séculos entre nós ouvida, é o grande, e o mimoso pretexto de todas as Revoluções, havidas, por haver, e sempre intentadas, e prosseguidas nas sociedades secretas, que juraram guerra exterminadora aos Altares, e aos Tronos. O Despotismo Asiático, o Absolutismo Sultânico, nunca foi a partilha dos Chefes da grande família, ou sociedade Europeia, mas com o fim único dos trabalhos das sociedades secretas é a dominação geral dos Povos, como só a isto aspiram, como temos visto, ocupando eles só os primeiros lugares; o meio mais próprio, e mais apto para o conseguirem, é persuadir os Povos, que até agora têm sido dirigidos, e governados com um poder arbitrário, e absoluto; e que os Reis, a quem chamam Tiranos, os têm reduzido a abjecta, e desgraçada condição de escravos; e que a coisa, que mais devem aborrecer, é o Absolutismo, que vem a ser o exercício da própria vontade, e do princípio arbítrio, sem respeito, e sem consideração alguma às Leis, aos foros, e aos pactos sociais feitos na origem das Monarquias, entre os Governantes, e os governados. E para que inspiram os Povos este horror a este fantástico e suposto absolutismo nos Soberanos da Europa? Para os disporem às Revoluções a títulos de melhoramentos úteis, e de reformas necessárias." (Cart. 26, pág. 10) [A semelhança com o que hoje dizem é pura coincidência ...!]
"Por muito superficial que seja qualquer homem observador, por menos atenção que haja dado aos horríveis acontecimentos, de que temos sido testemunhas desde 1820 até o dia de hoje 20 de Outubro de 1827, terá visto que ainda até este momento a praga Periodical não se tem calado com o Absolutismo, e com a reforma dos abusos provenientes, dizem eles, do Absolutismo. E que querem com isto estes Pregoeiros das Sociedades Secretas? Querem que ao Governo Monárquico suceda a Democracia, ou o Governo Republicano; para isto pressupõe sempre demonstrada a máxima absurda, e monstruosa, que o Poder governativo existe essencialmente na família, e não no par da mesma família. Para isto parece-me que era preciso demonstrar primeiro que o Absolutismo, nome, com o qual tanto querem assustar os Povos, pode existir em um, que governe, e nunca em muito, mais absolutos que os próprios Sultões, que usurpem o Governo, a si mesmos se chamem a Côrtes, façam para si Constituições, e ditem Leis, de que eles zombem, exercitando tiranicamente o Poder, que sacrílega, e revolucionariamente roubaram. Não tem havido Periodiqueiro por mais miserável que seja, desde que o Inferno vomitou sobre Portugal este flagelo, que não haja gritado contra o Absolutismo, e na sua abolição para o sagrado fim das necessárias reformas dos abusos do mesmo Absolutismo. Em França fizeram os revolucionários a coisa mais sumária, levaram Luís XVI ao cadafalso; em Portugal, falemos a verdade, porque está escrito, e está impresso; e se lhes custa a repetição, não o dissessem, não o imprimissem, clamaram "Desfaçamo-nos deles". As Secretas Sociedades querem fazer detestar o Monarquismo, e para isto procuram fazer aborrecer, e abominar o que eles chamam "Absolutismo" que nunca existiu, nem pelas Instituições do mesmo Reino desde a sua origem até este momento, em que as mesmas Instituições estão instauradas, e reformadas, pode existir. Se este pregão contínuo do Absolutismo não andasse sempre na boca pestilente dos Periodiquieiros, as revoluções, e as conspirações nenhum efeito teriam, porque os conspiradores sempre contam com as disposições dos Povos, e estas disposições são obras dos Periódicos, que tão claramente dizem que o Absolutismo anda essencialmente unido ao Monarquismo; dizem que é preciso o Governo representativo, mas a seu modo, e não como agora o temos, e sempre tivemos, ainda que com diversas fórmulas; mas o representativo dos revolucionários é o primeiro degrau do Republicanismo, ou Democracismo, como vimos em 1820. Tirar um Rei de repente, era arruinar a sua mesma obra ["sua" deles, do inimigo]; não têm os Periódicos tanto poder, que de repente arrancassem do coração de todos os Portugueses a adesão, e o amor, que sempre tiveram, e ainda conservam aos seus Monarcas; fizeram do Rei um Ente, que não tinha acção própria, os seus movimento tinham impulsão estranha; não se iluda Portugal, o Poder Executivo, que aqueles monstros deixaram ao Rei, não é Poder, porque executar o que se lhe manda não é livre exercício da vontade própria, é cumprimento do que determina a vontade alheia; neste caso ter Monarquia, e não ter Monarca vem a ser o mesmo. Monarca é o que manda só; e eles mandavam ao Monarca "Mande-se ao Executivo", como diziam eles." (Cart. 29, pág. 3) [Destaca-se a influência da propaganda para fazer acreditar que a monarquia tradicional era "absolutista", ao mesmo tempo que se fazia propaganda a uma nova ideologia social (liberal e democrática, republicana ou um intermédio para chegar à República); evidentemente que hoje se faz o oposto: dizer que a monarquia tradicional é o que nunca foi e que a absolutista não é a tradicional...]
"Desesperados por verem arrancar do Santuário o sinal de abominação; que a impiedade revolucionária ali tinha levantado, vingam-se com o desprezo, e perseguição daqueles, que mostraram, seguindo o Rei, a sua adesão ao Trono, e o seu respeito ao Altar. Chegou a tanto este insulto público pelo espaço dos já passados quinze meses, que muito honrados Portugueses, para evitarem novos insultos, e talvez que um princípio de motim com tanta ânsia provocado, esconderam a mesma Medalha, ao menos quanto pelas obrigações da existência, e subsistência se viam obrigados a entrar no centro da Cidade chamada baixa, e atravessarem os fatais arruamentos, ou as Academias destes ilustrados Publicistas. Mosteiros há, onde por amor de dois, ou três Orates, um Tecleiro, e outros Picadores, se não pode ainda entrar com a Medalha, sem correr o mesmo risco. Esta Medalha, dizem eles, é um sinal, ou pregão permanente de que levou o Diabo o nosso adorado, e adorável Sistema regenerador, de tornarmos outra vez da liberdade para a escravidão, e da sublimidade do Democratismo para a voragem do Absolutismo. A isto chamo eu o mais execrado, e punível de todos os insultos; a memória do Rei lhe vilipendia, a fidelidade dos Portugueses reputada um crime. Se todas as Medalhas de Condecoração são dadas pelo Rei, porque só o Rei as pode conceder como prémios de serviços, como são as mesmas de Campanha em seus diferentes graus, porque não insultam eles todas estas, e unicamente aquela? Porque estes feros Republicanos não querem, e protestam não querer nunca um Rei livre, mas um Rei escravo; não querem um Rei com os direitos da Soberania, mas um Fantasma despojado deles. Não querem um Rei que os governe a eles, querem uma Autómato, que eles governem, e tiranizem. Em quanto eu tiver esta espada na mão, dizia um Padre Cívico, não há de aqui entrar um Rei com "Veto". Tão insensato me pareceu sempre o tal Padre, que nem o que quer dizer Veto ele entendia. Só uma coisa me admira, que, levando Malco uma orelha cortada, este Malco as quisesse cortar aos outros." (Cart. 30, pág. 6) [... graduações em número de 33!?...]
"São inumeráveis as Histórias, que existem já impressas, e publicadas, da Revolução Francesa, e sendo um só objecto, e única a matéria, por todos é tão váriamente tratada. Nós os Portugueses, sobre tudo indolentes, muito mais o temos sido sobre a nossa [entenda-se "nossa" para identificá-la como tendo ocorrido em Portugal, e não como coisa própria portuguesa] Revolução Democrática de 1820: ainda não apareceu nem um esboço ligeiro deste acontecimento tão único, como escandaloso em nossos Anais. Será isto delicadeza em nossos Escritores, que não quererão ofender as virtudes, e sobre tudo a exemplar, e conhecida modéstia dos Autores da mesma Revolução ainda vivos, e permanecentes entre nós? Parece-me, que é muito fora de tempo, e de lugar esta melindrosa delicadeza, em nossos Escritores, porque os mesmos Corifeus da Revolução nunca quiseram deixar seu escrito em mãos alheias, começaram eles mesmos desde logo a se chamar Pais da Pátria, Salvadores da Nação, que por um heróico, e violento impulso de Patriotismo quiseram arrancar do abismo da desgraça os infelizes Portugueses, dizendo-lhes, que não podiam subsistir por mais seis dias com aquele Pacto primordial e com aquelas leis com que tão gloriosamente tinham permanecido por seis contínuos séculos, prometendo, que vinham, com suas sábias instituições, por o Povo Português na linha das grandes Nações, donde nenhuma grande Nação, nem todas as Nações grandes juntas o haviam tirado. Disseram com fraqueza mais que Republicana, que se muito tinham feito a Portugal D. João I em o livrar da violenta posse, que dele queria tomar o Rei Castelhano, desbaratando-o em uma memorável batalha campal; e se muito tinha feito a Portugal ElRei D. João IV livrado o Reino de uma dominação estranha, que havia durado sessenta anos, aceitando a Coroa do mesmo Reino; muito, e muito mais faziam eles em livrar o mesmo Reino do mais pesado, e ferro jugo do Absolutismo, em que os seus Monarcas com seus Cortesãos, e lisonjeiros o conservavam. Disseram ainda mais de si, e não deixaram mentir ninguém; disseram que com sua sabedoria vinham dar uma nova face à Nação, abrindo, e desentupindo todos os canais donde lhe podia correr, e comunicar-se-lhe todo o seu bem, e ventura, começando pela Instrução Pública, coisa até desconhecida neste Reino, porque eles para serem, como eram, tão exímios Doutores tinham com dispendiosas viagens, e reiteradas fadigas, ido estudar, e aprender fora deste Reino, que sempre tinha sido a Séde principal da ignorância, e da barbaridade, assim como da superstição, e do fanatismo, insuperáveis obstáculos para o derreamento das Luzes, e progressos da civilização! Que eles vinham promover a cultura da terra, a navegação dos mares, a actividade do Comércio, o aperfeiçoamento das Artes, e das Ciências, e sobre tudo fazer adiantar a Indústria na criação das Fábricas com que nos tirassem da vergonhosa dependência das produções, e manufacturas estrangeiras. Prometeram ainda mais, e eles mesmos o disseram, que vinham simplificar o Culto Religioso, livrando-o de todo o peso, e aparato da magnificência, e majestade externa, reduzindo-o a puro acto intelectual. E sobre tudo nos afirmaram que o motivo mais poderoso, que os obrigara a vir daqui tantas léguas, uns a cavalo, outros em calças, e alguns em liteiras, fazendo marchas forçadas, sem pararem, e se demorarem senão nos Colégios, e conventos de Coimbra, e em Alcobaça, foi unicamente acudir ao lastimoso estado de Finanças, ao qual as tinha reduzido a malversação dos Empregados pouco experientes, e a indiferença da Regência, que pintavam indolente sobre este sagrado objecto; coisa que com efeito à risca cumpriram, distribuindo de tal arte o dinheiro todo, que nunca mais se soube onde ele parava, a não ser nas mãos dos novos, e ilustrados Financeiros, que desceram do Céu para limpar a Terra. Sem ninguém lhes perguntar, eles mesmos disseram que vinham nivelar as condições humanas, reduzindo tudo à perfeitíssima igualdade natural, pois eles nem tinham, nem conheciam outra diferença, que não fosse aquela, que davam os talentos, e as virtudes, e que só às virtudes, aos talentos, e ao pessoal merecimento, e nobreza, eles mesmos vinham dar os lugares honoríficos, e lucrativos, e não aos Aulicios, e aos lisonjeiros, desterrando para sempre o patronato; e na verdade eles tinham afilhados de sobejo!" (Cart. 32, pág. 3) [fala um testemunho da época não um teórico, muito conhecedor da sociedade de então e que tivesse escrito antes de 1827... Aqui está resumido o programa ideológico que até aos nossos dias tem vindo a ser implementado pelos vencedores do Liberalismo em diante, em tão poucas linhas, apenas como testemunha do que se ouviu da boca do próprio inimigo e com um acerto tão grande que parece estarmos perante uma profecia. Eis uma maravilha documental de valor incalculável, mas que só poucos reconheceram antes de terem visto concretizar!]
"Em que melhorou este Reino com semelhante revolta de 1820? Com ela se abriu a porta a todas as calamidades. Compare-se o Portugal dantes com o Portugal depois!! Prometiam Liberdade, nunca estiveram mais atulhados de Cadeias. Prometiam justiça direita sem suborno, sem patronato, nunca as Terras de degradados viram dentro de si mais gentes, que não conheciam. Nunca os segredos tiveram inquilinos forçados por mais tempo; nunca houve tantas denúncias, nem mais rigorosa inconfidência, nunca passearam metendo a cabeça por todas as portas, os espiões mais descarados, e impudentes; nunca os homens de bem viveram mais assustados, nunca houve um Povo mais infeliz, e miserável, nunca o Reino todo sofreu mais perdas; e uma palavra, nunca o verdadeiro absolutismo, e despotismo pesou mais sobre os Portugueses, nunca foram mais escravos, e nunca se chamaram mais livres, nunca deles se fez mais afrontosa zombaria; nunca a Religião sofreu mais descobertos ataques, e insultos, nunca os senhores do engenho, e seus moleques, do que foram tratados por meia dúzia de Bacharéis aqueles nobres, grandes, e magnânimos Portugueses, diante dos quais na África, e na Ásia tremiam os Poderosos do Mundo, obrigando-os a trocar a magnificência, pompa, e esplendor de seus antigos vestidos, e ornamentos honoríficos em saiotes, balandraus, e roquelós de pano da serra, e azeitada saragoça até no pino do vetão, verdadeira pantomina, ou impostura. Fique para sempre este desengano, e nunca mais se aturem, ou se conheçam tais Framengos à meia noite. Este fermento ainda não acabou de todo, porque talvez ainda hajam hipócritas, que dando vivas ao novo estado de Governo Político, que temos, o mais justo, e o mais aproximado pela matéria, e pela forma, às nossas primordiais Instituições, conservam na alma o fanatismo, ou aventesma de uma República, entre o Governo Monárquico da Europa, o que tem dado a conhecer." (Cart. 32, pág. 11)
(continuação, II parte)
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