BREVE RELAÇÃO
DO ILUSTRE MARTÍRIO DO VENERÁVEL
PE. JOÃO DE BRITO
Religioso professo da Sagrada Companhia de Jesus, residente na missão de Maduré reino dos Maravás,
o qual padeceu em 4 de Fevereiro de 1693
Por não dilatar aos curiosos a notícia do ilustre martírio, com que este Apostólico Varão triunfou da bárbara idolatria do tirano Rei dos Maravás, referirei sucintamente a causa, e período de sua prisão, e felicíssima morte, deixando a ponderação da nobreza de seu nascimento (que teve na Côrte, e cidade de Lisboa, na freguesia de Sto. André) para mais erudita pena, e em bem proporcionado volume, e mais limado estilo descreverá os progressos de sua generosa educação no palácio do sereníssimo Rei D. Afonso o sexto, que Deus tem, divisando-se já naqueles ternos anos uma natural propensão a todo o género de virtudes, com que veio a possuí-las em grau heróico.
Seja-me porém lícito reparar mui de passagem na primeira circunstância do nome, com que foi regenerado, dispondo o Céu misteriosamente que fosse o do sagrado Precursor, para o imitar no desprezo das delícias, no retiro da Côrte, na parcimónia do natural sustento, no zelo de converter as almas, e finalmente na liberdade de repreender a um Rei do incestuoso conjúgio, procurando a separação dele como o nosso heróico Varão persuadiu a outro Rei mais feliz, que repudiasse a multiplicidade de consorte.
E como as acções do Padre João de Brito tiveram na vida tanta consonância com seu exemplar, não era verosímil que faltasse esta harmonia na morte, que também lhe maquinou uma mulher repudiada, sem se diversificar no género, morrendo também degolado.
Resumindo pois este discurso, é de saber que havia seis anos que o Padre João de Brito residia na missão de Maduré Côrte dos Maravás na Costa de Coromandela na Índia Oriental, para onde partiu no ano de 1673 e fazendo admirável fruto na cultura daquela vinha, procurando plantar nela a suave enxertia da Fé Católica com grandes júbilos de sua alma, por ver que não era infructuoso o seu desvelo, invejoso o demónio deste feliz logro, cocitou contra ele ao Príncipe dos Maravás Rauganadadeven, que tiranicamente tinha usurpado aquele domínio com infernal ódio aos Cristãos; e prosseguindo este furor; mandou prender ao Padre Brito, e executar nele graves tormentos, intimidando-lhe que saísse logo daqueles Estados com comunicação de morte se mais pregasse a Lei Evangélica.
Nenhum terror causou este decreto no incontrastável brio do fiel Soldado de Cristo, antes com intrépido valor desafiando os perigos, quando se lhe ofereciam mais eminentes, como que tinha deposto todo o temor quando assentou praça na sua sagrada Companhia, foi persistindo em seu piíssimo ministério, enxertando novas plantas, e dando robusto vigor às tenras, e alentando a todas, para produzirem copioso fruto naquela deliciosa vinha de Cristo.
Sendo neste tempo superior daquela missão, conhecendo que era preciso mandar a Europa um Religioso de talento, autoridade, e experiência, que felicitasse os aumentos daquela conversão, e convidasse novos obreiros pela falta deles, que sentia numa seara tão dilatada, o zeloso Padre Brito se sujeitou à eleição, que da sua pessoa se fez, sacrificando-se aos discómodos, e perigos de uma viagem tão molesta, e mal segura, não sem alguma repugnância da própria vontade, que sofria mal suspender o curso de seu santo exercício na doutrina daqueles Fieis, que deixava, mas a tudo fechou os olhos sua profundíssima obediência.
Embarcado logo para Goa, e daí para Portugal, chegou ao porto de Lisboa, e recolhido ao seu Colégio de Sto. Antão aplicou-se todo com incansável zelo a solicitar as importantíssimas matérias de sua missão com geral edificação, e agrado de toda a Côrte, que no Varão Apostólico apesar de sua rara modéstia reconhecia um compêndio de sublimes virtudes.
Conseguindo o despacho, que viera buscar, voltou ansiosamente na primeira monção, que se lhe ofereceu para Goa, no ano de 1690 onde tanto que chegou, (posto que mui mal convalescido de uma grave doença, que na viagem padecera) com a mesma impaciência procurou logo embarcação, que o transportasse à sua suspirada missão de Maduré, onde o destinava o Céu para lograr a preciosa coroa de seu martírio em prémio de suas religiosas, e bem empregadas fadigas.
Tanto que chegou a Maduré, que era o alvo, a que se firigia todo o seu cuidado, e a campanha de sua espiritualidade milícia, empunhou logo a espada da palavra Divina, reforçando a porfiada guerra, que sempre fez ao inferno, visitando aquelas residências de sua missão, e penetrando as brenhas, em que se ocultavam algumas Igrejas dos Cristãos, onde concorriam os novamente convertidos a ouvir o clarim Evangelico, e celebração dos Ofícios Divinos, colhendo tão copiosa novidade desta laboriosa seara, que fertilizada com seu ardente zelo, rara brandura, humildade, sofrimento, e amorosas carícias, em quinze meses, que permanescera nesta cultura Evangélica até sua ditosa morte, baptizou mais que oito mil catecúmenos com inexplicáveis júbilos da sua alma, converteu, e instruiu muito maior número, entrando nele o Príncipe Tarideven, o qual posto que despojado deste senhorio dos Maravás, por lho haver usurpado o tirano Raugandadeven, com tudo conserva ainda grande autoridade, e amor daqueles povos.
Achava-se este Príncipe reduzido aos últimos termos da vida com total desconfiança dela por causa de uma mortal enfermidade, rebelde a todos os remédios da Medicina, que nela se tinham esgotado, ouvindo porém referir as maravilhas, que por meio do Padre João de Brito obrava Deus nosso Senhor nas pessoas, que se dispunham a abraçar a Lei, que prégava, mandou rogar ao mesmo Padre que o fosse ver, e que quando estivesse impedido para fazer logo a vista, ao menos lhe enviasse um Catequista, para o instruir na Lei Cristã, que estava resoluto a admitir com viva fé de que por ela havia de alcançar inteira saúde, e livrar daquele inevitável perigo. Remeteu-lhe o Padre um Catequista, por não poder ir pessoalmente, e chegado à presença do Príncipe enfermo, no mesmo instante que lhe recitou o sagrado Evangelho, se viu com perfeitíssima saúde, e robustas forças com geral assombro de todos.
(continuação, II parte)
(continuação, II parte)
Sem comentários:
Enviar um comentário