10/11/14

IMITAÇÃO DE CRISTO - Thomas de Kempis (XXV)

(continuação da XXIV parte)

A IMITAÇÃO DE CRISTO
Thomas de Kempis
Cap. XXV
A Fervorosa Emenda de Toda a Nossa Vida

1. Sê vigilante e diligente no serviço de Deus e considera que para isso te dispuseste e abandonaste o mundo [vida religiosa]. Porventura, assim procedendo, não o fizeste para viver para Deus e ser homem espiritual? Corre, pois, com fervor, para a perfeição, porque brevemente receberás o prémio dos teus trabalhos e terminados serão os teus temores ou mágoas. Agora será pouco o trabalho e depois acharás grande descanso e perpétua alegria.
Permanecendo fiel e diligente em servir, Deus, sem dúvida, será fidelíssimo e liberalíssimo [sem limite] em pagar. Tem firme esperança de que alcançarás a vitória, mas não convém ter segurança, para que não afrouxes nem te ensoberbeças. 

2. Como um homem estivesse perplexo e combalido, já de medo, já de esperança, enchendo-se por fim de tristeza, prostrou-se em oração numa igreja, ante um altar, e revolvendo no seu coração várias coisas, assim falou: "Oh! se eu soubesse que havia de perseverar!" E logo ouviu no seu interior a devida resposta: "Que farias, se isto soubesses? Faz agora o que tens feito e estarás seguro." No mesmo instante, e consolado, e fortalecido, ofereceu-se à divina vontade. Cessou-lhe a perturbação e a perplexidade; não quis esquadrinhar o que lhe havia de suceder e com grande cuidado tratou de saber o que era mais perfeito e agradável à vontade de Deus, para começar e aperfeiçoar a sua obra. 

3. "Espera no Senhor e obra bem – diz o Profeta – e habitarás na Terra e serás aposentado das suas riquezas."
Uma só coisa retira a muitos o fervor do seu aproveitamento e emenda: o horror da dificuldade, ou o trabalho da peleja. Os que fazem maior progresso na virtude são aqueles que, com o maior empenho, se esforçam em combate tudo o que, pelas próprias inclinações, lhes é mais contrário. Porque alcança mais abundantes graças quem se vence a si mesmo e se mortifica em espírito.

4. Porém, nem todos têm igual ânimo para se vencer e mortificar. O diligente imitador de Cristo mais valoroso será em tal batalha; ainda que seja combatido por muitas paixões, tem mais merecimento, assim atormentado, do que o homem de bom natural, isento de tão dura peleja e por isso menos fervoroso em adquirir virtudes.
Duas coisas ajudam particularmente a nossa emenda: apartar-nos com violência de tudo aquilo para que se inclina viciosamente a nossa natureza e trabalhar com fervor para alcançar o bem de que mais se necessita. Trata de evitar, com maior cuidado, aquilo que nos outros te desagrada.

5. Procura tirar proveito do que vês e ouves, de sorte que, se vires e ouvires bons exemplos, anima-te a imitá-los, se vires ou ouvires alguma coisa digna de repreensão, guarda-te de a fazer, e, se alguma vez a fizeste, trata de te emendar logo dela.
Assim como tu vês os outros, assim os outros te vêem a ti. Que alegre que é ver devotos e fervorosos irmãos morigerados e observadores de quanto lhes cumpre! Que triste e grave coisa é vê-los andar desordenados e sem se ocuparem dos exercícios da sua vocação! E quão danoso é ser descuidado no propósito da sua vocação e cuidadoso no que não lhe compete.

6. Lembra-te do propósito que tomaste e põe diante de ti a imagem de Jesus Crucificado. Com razão te podes envergonhar vendo a vida de Jesus Cristo, pois até agora não procuraste conformar-te com ela, estando, há tanto tempo, no caminho de Deus.
Quem, devota e cuidadosamente, se exercita na Santíssima Vida e Paixão do Senhor, achará nela, com abundância, tudo o que é útil e necessário para si, nem há mister buscar coisa melhor fora de Jesus Cristo. Oh! Se viesse a nossos corações Jesus Crucificado, quão depressa e suficientemente seríamos ensinados!

7. O religioso, que tem fervor, tudo leva a bem e aceita o que se lhe manda; o negligente e tíbio tem tribulação sobre tribulação e de todas as partes padece angústia, porque padece de interior tribulação e não o deixam buscar a exterior.
O que vive fora da disciplina religiosa está exposto a ruina grave. Quem procura a lassidão sempre vive em angústia, porque ou uma ou outra lhe desagrada.

8. De que modo procedem tantos religiosos que observam uma vida claustral rigorosamente apurada? Raramente saem fora, vivem em retiro, comem pobremente; a sua roupa é grosseira, trabalham muito e falam pouco, vigiam até altas horas, levantam-se de madrugada, têm oração demorada, cumprem toda a disciplina.
Vê como os monges e monjas da Cartuxa, de Cister e de outras religiões se levantam todas as noites para louvar o Senhor. Em face disso, é coisa bem torpe que tu te comprazas na preguiça, enquanto tanta multidão de religiosos começa a entoar louvores a Deus.

9. Oh! Se nada houvesse que fazer senão louvar o nosso Deus com todo o coração e com a boca! Se nunca necessitássemos de comer, nem beber, nem de dormir, mas pudéssemos sempre louvar a Deus e aplicar-nos à matéria do espírito! Então seríamos muito mais felizes do que somos quando servimos a carne em qualquer necessidade. Permitisse Deus que não houvesse necessidades, mas houvesse sòmente as refeições espirituais da alma, das quais – ai! – gostamos tão pouco!

10. Quando o homem chega a não procurar suas consolações nas criaturas, logo começa a gostar perfeitamente de Deus, e vive sempre satisfeito com tudo o que acontece. Então não se alegra com o muito nem se entristece com o pouco, mas confia inteiramente em Deus, o que lhe é tudo em tudas as coisas, para o qual nada acaba, nem morre, nele tudo vivendo e tudo obedecendo ao Seu aceno.

11. Lembra-te sempre do fim e de que o tempo perdido não torna. Sem cuidado e sem diligência, nunca poderás alcançar a virtude.
Se começas a ser tíbio, começarás a sentir-te mal. Mas, se procurares ter fervor, acharás grande paz e sentirás mais leve o trabalho, com a graça de Deus e o amor à virtude.
O homem fervoroso e diligente para tudo está aparelhado. Maior trabalho é resistir aos vícios e paixões do que suar em serviços materiais.
Quem não evitar as faltas pequenas, pouco a pouco cai nas grandes.
Alegra-te-ás à noite, se gastares com bom fruto o dia.
Vigia sobre ti mesmo. Exorta-te a ti mesmo. E, haja o que houver com os outros, não te esqueças de ti mesmo. Tanto aproveitarás quanto for a força que empregares sobre ti mesmo.

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