10/11/14

FR. MIGUEL CONTREIRAS (I)

"O Venerável Prior Mestre Fr. Miguel Contreiras, Confessor da Sereníssima Rainha de Portugal, D. Leonor, instituidor da Irmandade da Misericórdia de Lisboa. Faleceu em 1520."
"Fr. Miguel Contreiras nasceu em Valência de Espanha, ou em Segóvia, como querem outros, a 29 de setembro de 1431. Passados os primeiros anos, começou de cursar os estudos, revelando desde logo singular talento, e uma decidida inclinação para a solidão e o recolhimento, inclinação, ou antes aspiração ardentíssima, que tão fundo se lhe enraizou na alma, que apesar de descender da nobre casa dos Contreiras, de que foi progenitor o famoso Conde Fernam Gonçalves, donde procedem muitos monarcas da Espanha, e porventura contra a vontade de seus pais, que sem dúvida folgariam que ele abraçasse uma carreira brilhante e condigna da sua ilustre prosápia, preferiu, depois de concluídos aqueles estudos, a obscura vida monástica, entrando na ordem da Santíssima Trindade, onde professou.

Já Sacerdote e adiantado em anos, pediu licença para vir residir no convento da sua ordem em Lisboa, e obtendo-a passou a Portugal em 1481.

O motivo que Fr. Miguel Contreiras tivera para abandonar a sua pátria é mui difícil de averiguar, nem vale a pena fazê-lo: o que é certo é que soube em Portugal sustentar dignamente a reputação que lá fora havia granjeado, e que o povo, concorrendo em multidão a escutar os seus sermões, repassados de verdadeira unção cristã, começou de apelidá-lo o apóstolo.

E era de feito um verdadeiro apóstolo. No templo a sua palavra eloquente convertia os impiedosos, roborava a fé aos tíbios, mostrava aos justos o caminho do céu; e se sabia distribuir com mão generosa o alimento do espírito, a sua caridade não era menos fervorosa, menos sincera, e menos solícita em promover o bem temporal de todos os desvalidos.

Conhecia Fr. Miguel por essa capital muita viúva sem pão, muito enfermo abandonado, muito órfão sem amparo, muitas donzelas que a miséria expunha de contínuo às mais perigosas seduções; abrasou-o um santo zêlo, e tomado da compaixão de tantos infortúnios, que a sociedade descuidosa não só não curava de evitar, mas nem sequer forcejava por diminuir, deitou-se a pedir pelas ruas e casas para os pobres.

Deus abençoou a sua obra; e fez largamente frutificar os seus esforços; não só a Côrte, e mormente a virtuosa Rainha a Senhora D. Leono, de quem fôra nomeado confessor, e cujo nome anda vinculado à fundação dae alguns dos nossos principais estabelecimentos de caridade, mas também o povo concorreram a ajudar com suas esmolas o venerando sacerdote, que assim pôde, pobre e humilde frade, enxugar muitas lágrimas, atenuar muito infortúnio, acabar com muita miséria.

Entretanto o seu zêlo, com quanto fervoroso e ardente, não podia acudir com a necessária regularidade a muitos enfermos, que ou por serem estrangeiros, ou por não terem quem os recebesse em casa, andavam recolhidos pelos adros das igrejas e pelos arcos do Rossio.

Incansável no serviço dos pobres, e não recuando perante qualquer dificuldade, pediu instantemente à Câmara de Lisboa que lhe quisesse dar uma casa que estava junto a Santo António da Sé, onde antigamente se faziam as audiências do civel; a Câmara não pôde resistir ás solicitações de Fr. Miguel, que obteve a concessão pedida, e entendeu imediatamente em mandar fazer nas referidas casas as acomodações necessárias e indispensáveis; recolhendo ali pouco depois os enfermos, e assistindo-lhes com todos os socorros corporais e espirituais.

É tradição corrente que ElRei D. Manuel, tendo notícia desta caridosa fundação, entrara um dia, sem que fosse esperado, pela enfermaria dentro.

Como é natural os devotos que andavam curando os doentes, e fazendo-lhes as camas, perturbaram-se com a presença do Rei, e largaram tudo para o receber, porém este disse-lhes: "Fazei a vossa obrigação", e continuando eles o Rei, pegando num cobertor pela ponta,disse: "Eu também."

(continuação, II parte)

2 comentários:

Anónimo disse...

Há uma história curiosa, em volta do Fr. Miguel de Contreiras. Há quem coloque a possibilidade de ter sido uma personagem forjada pelos espanhóis, no tempo em que eles tiveram a nossa coroa. Diz-se que os espanhóis admiraram tanto a nossa obra da Misericórdia que inventaram a personagem para dizer que foi graças aos espanhóis que conseguirem fundar esta instituição em Portugal.
A historiografia põe em hipótese esta tese, visto que também se encontram poucos relatos. (acho que só existem 2 relatos do frade.)

Curioso é, também, que o frade está a segurar o estandarte da S.C.M. Eo próprio estandarte, ele está representado no segundo lugar a contar da esquerda para a direita.

anónimo disse...

Caro anónimo!!!,

obrigado por comentar.

Apenas posso dizer-lhe que esse tipo de coisas é própria nos espanhóis relativamente a seus vizinhos. Contudo, não posso afirmar que foi isso que aconteceu.... não há dados!

Quanto à pintura, vejo que:
1 - do lado direito de Nossa Senhora, lugar mais importante, se encontram os elementos do clero. Do lado esquerdo não há clero.
2 - no meio de três, a posição privilegiada é a do meio (não pode pensar à moderna).

Portanto, ficamos apenas com o registo de que há quem duvide de...

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