"O Venerável Prior Mestre Fr. Miguel Contreiras, Confessor da Sereníssima Rainha de Portugal, D. Leonor, instituidor da Irmandade da Misericórdia de Lisboa. Faleceu em 1520." |
"Fr. Miguel Contreiras nasceu em Valência de Espanha, ou em Segóvia, como querem outros, a 29 de setembro de 1431. Passados os primeiros anos, começou de cursar os estudos, revelando desde logo singular talento, e uma decidida inclinação para a solidão e o recolhimento, inclinação, ou antes aspiração ardentíssima, que tão fundo se lhe enraizou na alma, que apesar de descender da nobre casa dos Contreiras, de que foi progenitor o famoso Conde Fernam Gonçalves, donde procedem muitos monarcas da Espanha, e porventura contra a vontade de seus pais, que sem dúvida folgariam que ele abraçasse uma carreira brilhante e condigna da sua ilustre prosápia, preferiu, depois de concluídos aqueles estudos, a obscura vida monástica, entrando na ordem da Santíssima Trindade, onde professou.
Já Sacerdote e adiantado em anos, pediu licença para vir residir no convento da sua ordem em Lisboa, e obtendo-a passou a Portugal em 1481.
O motivo que Fr. Miguel Contreiras tivera para abandonar a sua pátria é mui difícil de averiguar, nem vale a pena fazê-lo: o que é certo é que soube em Portugal sustentar dignamente a reputação que lá fora havia granjeado, e que o povo, concorrendo em multidão a escutar os seus sermões, repassados de verdadeira unção cristã, começou de apelidá-lo o apóstolo.
E era de feito um verdadeiro apóstolo. No templo a sua palavra eloquente convertia os impiedosos, roborava a fé aos tíbios, mostrava aos justos o caminho do céu; e se sabia distribuir com mão generosa o alimento do espírito, a sua caridade não era menos fervorosa, menos sincera, e menos solícita em promover o bem temporal de todos os desvalidos.
Conhecia Fr. Miguel por essa capital muita viúva sem pão, muito enfermo abandonado, muito órfão sem amparo, muitas donzelas que a miséria expunha de contínuo às mais perigosas seduções; abrasou-o um santo zêlo, e tomado da compaixão de tantos infortúnios, que a sociedade descuidosa não só não curava de evitar, mas nem sequer forcejava por diminuir, deitou-se a pedir pelas ruas e casas para os pobres.
Deus abençoou a sua obra; e fez largamente frutificar os seus esforços; não só a Côrte, e mormente a virtuosa Rainha a Senhora D. Leono, de quem fôra nomeado confessor, e cujo nome anda vinculado à fundação dae alguns dos nossos principais estabelecimentos de caridade, mas também o povo concorreram a ajudar com suas esmolas o venerando sacerdote, que assim pôde, pobre e humilde frade, enxugar muitas lágrimas, atenuar muito infortúnio, acabar com muita miséria.
Entretanto o seu zêlo, com quanto fervoroso e ardente, não podia acudir com a necessária regularidade a muitos enfermos, que ou por serem estrangeiros, ou por não terem quem os recebesse em casa, andavam recolhidos pelos adros das igrejas e pelos arcos do Rossio.
Incansável no serviço dos pobres, e não recuando perante qualquer dificuldade, pediu instantemente à Câmara de Lisboa que lhe quisesse dar uma casa que estava junto a Santo António da Sé, onde antigamente se faziam as audiências do civel; a Câmara não pôde resistir ás solicitações de Fr. Miguel, que obteve a concessão pedida, e entendeu imediatamente em mandar fazer nas referidas casas as acomodações necessárias e indispensáveis; recolhendo ali pouco depois os enfermos, e assistindo-lhes com todos os socorros corporais e espirituais.
É tradição corrente que ElRei D. Manuel, tendo notícia desta caridosa fundação, entrara um dia, sem que fosse esperado, pela enfermaria dentro.
Como é natural os devotos que andavam curando os doentes, e fazendo-lhes as camas, perturbaram-se com a presença do Rei, e largaram tudo para o receber, porém este disse-lhes: "Fazei a vossa obrigação", e continuando eles o Rei, pegando num cobertor pela ponta,disse: "Eu também."
(continuação, II parte)
(continuação, II parte)
2 comentários:
Há uma história curiosa, em volta do Fr. Miguel de Contreiras. Há quem coloque a possibilidade de ter sido uma personagem forjada pelos espanhóis, no tempo em que eles tiveram a nossa coroa. Diz-se que os espanhóis admiraram tanto a nossa obra da Misericórdia que inventaram a personagem para dizer que foi graças aos espanhóis que conseguirem fundar esta instituição em Portugal.
A historiografia põe em hipótese esta tese, visto que também se encontram poucos relatos. (acho que só existem 2 relatos do frade.)
Curioso é, também, que o frade está a segurar o estandarte da S.C.M. Eo próprio estandarte, ele está representado no segundo lugar a contar da esquerda para a direita.
Caro anónimo!!!,
obrigado por comentar.
Apenas posso dizer-lhe que esse tipo de coisas é própria nos espanhóis relativamente a seus vizinhos. Contudo, não posso afirmar que foi isso que aconteceu.... não há dados!
Quanto à pintura, vejo que:
1 - do lado direito de Nossa Senhora, lugar mais importante, se encontram os elementos do clero. Do lado esquerdo não há clero.
2 - no meio de três, a posição privilegiada é a do meio (não pode pensar à moderna).
Portanto, ficamos apenas com o registo de que há quem duvide de...
Volte sempre.
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