27/03/15

CONTRA-MINA Nº 9: D. Miguel I no Trono, Por Milagre

CONTRA-MINA
Periódico Moral, e Político,

por

Fr. Fortunato de S. Boaventura,
Monge de Alcobaça.

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Nº 9
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O medonho Fantasma se esvaece,
O dia torna, e a sombra se dissipa;
Os Insectos feíssimos de chofre
Entram no poço do afumado Inferno:
Eternamente a tampa se aferrolha.
No meio do clarão vejo no Trono,
Cercado de esplendor, MIGUEL PRIMEIRO.
(Macedo, Viagem Estática ao Templo da Sabedoria, pág. 141)
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O Senhor Dom MIGUEL I Está Milagrosamente Assentado no Trono de Portugal

Quando se trata de meter pelos olhos dentro à Nação Portuguesa, ou os males gravíssimos, e incomensuráveis das Revoluções passadas, ou o tremendo perigo de uma nova Revolução, que urdida, e executada por Mações lhe apagaria, como tantas vezes tenho dito, até o seu próprio nome, é de força que um escritor amante do seu Rei, e da felicidade da sua Pátria, mais de uma vez se comova, e sinta perplexo, e sobremaneira angustiado; e por isso é absolutamente necessário, que busque de tempos a tempos certo desafogo, e que, passando de coisas tristes para as alegres, trabalhe, quanto nele for, para descobrir nestas uma perspectiva agradável de futuros, que não se assemelhe com o que temos experimentado, e sentido.

Este salto de umas coisas para outras muito diversas parecerá talvez a certos leitores minimamente severos, e escrupulosos uma falta de ordem, assaz digna de estranhar-se, e repreender-se; mas devem saber, que se permitem, e hão de permitir sempre estas pequenas, ou grandes liberdades a um escrito, onde não há esmero de satisfazer os preceitos da arte de escrever, e onde o coração faz, para assim me explicar, todos os gastos da empresa literario-anti-Maçónica. Além disto, se a esperança, e o medo costumam ser dois grandes moveis das acções humanas, parece que não me desviarei do meu intento, se entresachar as narrações lúgubres de outras aprazíveis, por tal arte, que os meus leitores aborreçam de morte as causas das revoluções, e os seus péssimos efeitos, e se afervorem cada vez mais na devida homenagem ao antes nosso Pai, e Libertador, que nosso Legítimo Soberano. 

Em poucos meses de Revolução, que tem experimentado a França? Em poucos dias de Revolução, que amargos frutos tem já colhido a Bélgica? Ainda em menos tempo de Revolução, qual será brevemente a sorte de Varsóvia, e dos seus alucinados habitantes? E que lição está dando o pequeno Reino de Portugal, e que gentes ilusas, estouvadas, e delirantes, que se deixaram arrastar das persuasões, e ardis do Maçonismo? Quando eu espraio as minhas considerações por todos esses Reinos agitados pela fúria das Revoluções, sinto-me passado de terror, e de indignação... Olho para este Reino de Portugal, e para quem está assentado no seu Trono, e logo me fortaleço, e reanimo; pois vejo tão claramente impresso aos destinos do Mui Alto, e Poderoso Senhor D. Miguel I o cunho de uma singular Providência, que desde a sua marcha pelos campos de Santarém até a sua entrada no Porto de Lisboa não conto senão prodígios; assim como desde 22 de Fevereiro de 1828 até ao dia 16 de Janeiro de 1831 vejo diante de mim uma candeia estupenda, em que o número dos milagres fica muito acima do numero dos dias, e oferece mais larga matéria ao justo assombro dos leais Portugueses, do que os seus para sete séculos de duração, que já conta a Monarquia Portuguesa. Se os nossos inimigos pudessem ter a sinceridade dos Magos de Faraó, em vez de se assoalharem por meio de ridículos protestos a sua inépcia, e maldade, já teriam reconhecido à face da Europa, que o dedo do Omnipotente figura, e como se imprime em todos os negócios do Senhor D. MIGUEL I. Não me ocorreu fora de propósito esta lembrança dos Magos, que se estes à força de prestígios, e supostas maravilhas contrariaram, quanto neles foi, os desígnios da Providência a favor de Moisés, e do Povo escolhido, também estes Magos, (que é um grau honorífico entre os iluminados) moveram quantas pedras havia para que um Príncipe, que não estava preso, mas que não estava livre, ou nunca viesse para este Reino, ou viesse maniatado, e sem acção, que fosse propriamente sua, e em todo o caso viesse um vaso estrangeiro!!! 

O Mui Alto, e Poderoso Senhor D. MIGUEL I, assim como é, no meu entender, o melhor dos Reis, também é por necessária consequência o mais generoso; e saibam os seus inimigos, que este verdadeiramente Régio predicado é que os livra de se parentearem à Nação Portuguesa essas odiosas tramas, de que se envergonharia o próprio Machiavello, se hoje tornasse a escrever, esses contínuos, e incessantes esforços de legações inteiras, (a quem pagava com a mão larga o Reino de Portugal) que se esmeravam sobre modo, não para se verificar a integridade do Território Português, quando mais convinha que se fizesse, mas para que deixasse, ou acabasse de Reinar a Casa de Bragança!! Quando os Portugueses souberam exactamente o que se passou desde o extermínio, na Fragata Pérola, até ao regresso de Viena, hão de ficar assombrados, e cairão por terra debulhados em lágrimas do mais puro agradecimento ao Deus dos Exércitos, que nos guardou o nosso Restaurador, como já tinha guardado os meninos na Fornalha da Babilónia; mas enquanto não chega o tempo, (e quando virá ele?) de se falar despejadamente nestes assuntos, seja-me permitido lançar mão das ideias vulgares, que até por estas poderemos verificar a existência do milagre. Dizia-se geralmente neste Reino, quando o Senhor D. MIGUEL I passou por alto os barracões, e atirou com a Sinagoga liberal aos infernos, que ele certamente vinha encostado à Protecção de uma grande Potência, e era dirigido pelas instrucções de um grande homem de Estado... Assim falou, e errou muita gente boa, e o mais é que foi dos erros chamados secundum artem. Foi esta a voz pública, , e a dizer a pura verdade (porque eu nem sou impostor, nem blasono de ter grandes ideias públicas) não deixei de aprovar estes ditos, que vogavam por todo o Reino. 

Ora, já se viu pelos efeitos, que o Senhor D. MIGUEL I ao desembarcar em Lisboa não esperou em outra coisa mais que no auxílio Divino, e em sua própria resolução, e valentia. Se os Reis da Europa o tivessem excitado, ou induzido a ocupar o Trono, que lhe pertencia, por certo que seriam mui contraditórios, se o não reconhecessem imediatamente por Soberano destes Reinos; e quanto mais se retardar este passo de verdadeira política, tanto mais forte se há de tornar a certeza, de que o Senhor D. MIGUEL I não contou, nem com Exércitos, nem com o mais leve auxílio estranho, para debelar, como debelou, o maldito Sistema Constitucional.

Escuso agora de ponderar o que eram de profundas raízes do tal sistema degenerador, e de quão numerosas, e rápidas conquistas havia feito, não só em Portugal, mas em toda a Europa, desde a púrpura até ao cajado; posto que daí se tirasse um poderosíssimo argumento, para se mostrar até à evidência, que o Senhor D. MIGUEL I, quando passou adiante, sem fazer caso dos memorandos barracões, onde também não estaria preso, sem contudo estar livre, enrostou desde logo a Maçonaria Europeia. Deixo em silêncio não só aquelas, porém outras muitas coisas, visto que o meu fim não é de louvar neste N.º o Senhor D. MIGUEL I, é sim o fazer entrar os Portugueses cada vez mais, se é possível, na consideração do muito que são devedores a este novo Restaurador da Monarquia Portuguesa.

Ora os exemplos costumam ferir mais, e provar melhor do que os argumentos, e por isso eu tenho singular afeição aos Paralelos Históricos, que são talhados para se conheceram demonstrativamente quaisquer semelhanças, ou diferenças, que possa haver entre os diversos benfeitores das Nações. Como estava o pequeno Condado de Portugal, quando o Senhor D. Afonso Henriques principiou a governá-lo? Teve logo à sua disposição um Exército, que repetidas vezes triunfara dos Mouros, e alentado com as dezassete batalhas, que vencera o Senhor Conde D. Henrique de Borgonha, o qual até no seu falecimento em Astorga nos deixou um claro testemunho, de que os Portugueses desses dias intentaram coisas maiores, do que esses que lemos nas apoucadas notícias deste Soberano. Teve pois à sua disposição um belicoso, e fidelíssimo Exército; a saber, os conselhos, e a espada de Egas Moniz, e assim mesmo a victória do Campo de Ourique foi um milagre visível, que eu ponho logo abaixo dos que se contam no Evangelho.... Que viu de longe neste Reino o Senhor D. MIGUEL I, que no meu conceito deveria contar os anos do seu Reinado de 6 de Março de 1826? Não viu nesta época nem Exércitos armados em pró da Legitimidade, nem Egas Moniz que o ajudasse igualmente com a espada, e conselho...... não viu, ou para melhor dizer, não ouviu outra coisa mais, que os suspiros da Lealdade Portuguesa, que lá chegavam a furto, e que lhe feriram por tal arte o Magnânimo Coração, que lhe excitaram em continenti o mais vivo desejo de nos arrancar as sedentas garras do Maçonismo, não menos vorazes, porém mais terríveis que as da morte, pois estas cortam somente os fios da vida temporal, e aquelas trazem consigo os males infinitos da mais espantosa eternidade. Grande coisa foi levantar-se o Trono Português sobre os estragos da Mauritânia, porém ainda é coisa maior esmigalhar o ceptro de ferro, com que os Mações o dominavam, ou tiranizavam, e Mações poderosamente auxiliados por toda a Europa, sim iludida e cega, mas obrando toda em sentido favorável ao Maçonismo Português.

Que temos nós de admirar no primeiro Restaurador da Monarquia Portuguesa o Senhor D. João I? Que viu ele em Portugal na pouco sentida morte do seu Irmão o Senhor D. Fernando? Um desgosto, e oposição geral ao detestado governo da Rainha Regente, e uma tendência nacional, e como irresistível para a sua Pessoa, que até os meninos o aclamaram Rei ao entrar em Coimbra, antes que as Côrtes pronunciassem o seu voto em tão importante matéria. Que viu ele nas Cidades deste Reino, e especialmente em Lisboa, em Coimbra, e no Porto? Viu na primeira um amor, que trespassou os limites da razão, e da justiça; quando ali soou falsamente que o Mestre de Avis fôra assassinado em Palácio; e nas outras duas houve, se não igual, ao menos uma quase semelhante, mais explosão, que demonstração de fidelidade.... Ora o que viu, ou podia esperar o Senhor D. MIGUEL I das próprias Cidades, já se tem metido pelos olhos, e não posso neste lanço maior prova de moderação, e até de caridade, talvez muito mal empregada, do que apontar os sucessos de Maio de 1829, o armamento por duas vezes da mocidade Académica, a mui felizmente debelada conspiração do Brigadeiro Moreira, afora outras, que hão de saber-se a seu tempo, e consignar-se na História Portuguesa, como outros tantos monumentos da intervenção celeste a favor do mui Alto e Poderoso Senhor D. MIGUEL I. 

Não desconheço, que a segunda Restauração de Portugal foi muito mais prodigiosa do que tinha sido a primeira. Achava-se este Reino em 1640 empobrecido, e quase exausto dos meios indispensáveis para a guerra; porém o Senhor D. João IV foi logo reconhecido, e auxiliado pela França, que embora nos preterisse, bem desairosamente para ela, no Tratado, ou Paz chamada dos Pirenéus, quando assim mesmo ( e não temo dizê-lo, por que sou mais amigo da verdade que da minha Pátria) enviando para este Reino o Marechal de Schombery, muito mais nos dava nos conselhos deste grande homem, que nos 10 ou 12 homens, com que nos podia auxiliar. Que socorro estrangeiro teve o Senhor D. MIGUEL I em os primeiros seis meses do seu Reinado? Que Potencias o recolheram? Achou por ventura o Senhor D. MIGUEL um Exército penetrado dos mais puros sentimentos de Lealdade para com a sua Augusta Pessoa, um Exército nacional a toda a prova, qual o achou ElRei D. João IV, ou preparou dentro em poucos meses? O que ElRei Nosso Senhor achou foi um Exército verdadeiramente Constitucional, governado por Oficiais escolhidos ao tabuleiro, ad hoc pelo façanhoso Saldanha, e não só achou o Exército nacional assim disposto, ainda achou mais outro que fôra mandado por Canning, (que deste modo costumam ser enganados os Reis, e as Nações mais generosas) para suster neste Reino a Maçonaria periclitante, e derramá-la, quando melhor conviesse, em toda a Península.

Estou certo, que a Posteridade, a saber de todos estes obstáculos, a qual deles maior, e mais assustador, que cercaram o Senhor D. MIGUEL I ao entrar neste Reino, há de perguntar cheia de pasmo, e de assombro. Como foi possível, que um só homem se desembaraçasse de tamanhas contradições, e de tamanhos perigos? Não admira que assim venha a explicar-se nestes assuntos, quando nós todos contemporâneos, e testemunhas oculares de tão grandes acontecimentos já o perguntámos uns aos outros, como quem não sabe dar-lhes outra saída, que não seja esta - O Senhor é quem há feito o que nós vemos, e que por mais que o vejamos, e contemplemos, há de ser cada vez mais admirável aos nossos olhos. 

E terei eu dito o que poderia dizer em abono desta verdade? Nem a centésima milésima parte.... E já que o prometeste aos Leitores, porque não desempenhas a tua promessa? (dirá talvez algum impaciente de saber quanto haja de mais notável, e prodigioso nesta última Restauração) Porque ainda não convém que se diga tudo, e porque seriam necessários pelo menos doze Números para indicar a matéria; que o explaná-la dignamente, é uma tarefa maior, e própria dos Historiadores; o caso é, que só para dar a entender, ao menos de longe, o que tenho deixado em silêncio, atrevo-me a comparar os destinos do Senhor D. MIGUEL I com os próprios da Igreja Militante. Esta Obra do Céu já teria caído por terra em nossos dias, se fosse obra dos homens. O Senhor D. MIGUEL I já teria caído do Trono, se a sua vocação ao Trono fosse obra humana. 

Colégio do Espírito Santo em Coimbra
16 de Janeiro de 1831 

Fr. Fortunato de S. Boaventura.

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